Podem chamar-lhe um Coelho pascal. Para a segunda mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, Jesualdo enfrentava um problema, verdadeiro e de resolução difícil, e optou pela mais exótica das alternativas disponíveis: um jogador sem ritmo, sem experiência nacional, quanto mais internacional, sem um só minuto na prova e sem absolutamente nenhum conhecimento da nova posição, arremessado para o centro de um incêndio. No fim, o FC Porto contou cinco golos sofridos - igualando o pior resultado desde os 6-1 do AEK, em 1978 - e o seu treinador a ingrata responsabilidade de uma aposta arriscada que, como todas, remete para quem a fez. A favor, um único argumento: Nuno André foi um dos cinco defesas do FC Porto em campo - no tal jogo em que era preciso marcar golos -, e é bem possível que os outros quatro tenham jogado todos pior do que ele.
Arsène Wenger assegura que, ontem, a fonte dos tormentos de Fucile, Rolando, Álvaro Pereira e Bruno Alves - por esta ordem de incompetência - foi a relva do Emirates Stadium, por favorecer mais a velocidade do que qualquer outro tapete da Europa: "Quando nós conseguimos jogar depressa, é difícil para qualquer adversário." Mas a circulação de bola do Arsenal já fizera enjoar o meio-campo do FC Porto na primeira mão, e dificilmente poderá haver responsabilidade vegetal no passe que Fucile fez para Arshavin, na origem do segundo golo do Arsenal, ou até na bola perdida, de cabeça, por Rolando, também para o russo (1,72 cm), na raiz do primeiro.
Jesualdo Ferreira fala num começo equilibrado, sustentando-se provavelmente num hiato de três ou quatro minutos em que o FC Porto tentou cair em cima do adversário, mas foi só a ignição. Com ambos os fogos acesos, o que importou foi a incapacidade da equipa para manter a bola e acertar dois passes seguidos. À diferença de rapidez de pensamento para os jogadores do Arsenal - enorme, com a eventual excepção de Falcao, Rúben Micael e Varela - juntava-se uma histórica incompatibilidade do FC Porto de Jesualdo em ter a bola. Não é coincidência que contra uma das duas equipas que melhor circulação fazem no mundo e talvez a que mais bem trabalhada é para pensar depressa, este treinador tenha sido goleado duas vezes. No esforço para afinar as transições rápidas, sempre se relativizou a importância da posse. Embora num grau de gravidade muito inferior, trocar a bola no meio-campo nunca foi uma virtude do FC Porto nestes quatro anos.
É claro que não se pode retirar do Arsenal-FC Porto de ontem uma conclusão relativamente ao choque das ideologias defendidas por Wenger e Jesualdo. Na equipa do francês, a maioria dos jogadores que a partir desses três ou quatro minutos serpenteou pelo meio campo atordoado dos dragões tem muitos anos de Arsenal e da escola minuciosa de Arsène, ao contrário do FC Porto.
Muito antes do primeiro golo, já a goleada se espalhava pelos respiradouros do estádio. Para reverter a situação, Jesualdo precisava de sorte, porque se até conseguia justificar golos próprios, a equipa nunca mostrou a mínima capacidade quer para defender quer para interferir no poderoso jogo de passe e condução de bola do adversário. A entrada de Rodríguez, na segunda parte, para o terceiro lugar do meio-campo - ainda salpicado do sangue quentinho de Nuno André, o colega substituído -, passando Meireles a ser o único trinco (sim, porque até a anomalia táctica de jogar com dois a equipa teve de sofrer), aproximou o FC Porto uns milímetros do que se pretendia. Falcao fechou metade dessa janela quando falhou a melhor oportunidade do FC Porto (54'), e Nasri a segunda, entalando na persiana a competência de Meireles e Álvaro Pereira, por quem serpenteou como se fossem bidões para marcar o terceiro golo. Depois desse, já nem a sorte era chamada ao caso.
Arsenal 5-0 FC Porto
Emirates Stadium >> relvado bom >> 59 651 espectadores
Árbitro Frank de Bleeckere (Bélgica) >> Assistentes Peter Hermans e Walter Vromans >> 4º Árbitro Serge Gumienny
Treinador Arsène Wenger
1 Almunia GR 5
3 Sagna LD 7
31 Sol Campbell DC 5
5 Vermaelen DC 6
22 Clichy LE 6
17 Song MD 6
2 Diaby MO 8
8 Nasri MO a 73' 8
7 Rosicky AD a 57' 7
23 Arshavin AE a 76' 7
52 Bendtner AV 8
21 Fabianski GR
18 Silvestre DC
30 Traoré LE
15 Denilson MD d 73' 5
27 Eboué AD d 57' 6
14 Walcott AD d 76' 5
9 Eduardo AV
Golos [1-0] 10' Bendtner [2-0] 25' Bendtner [3-0] 63' Nasri [4-0] 66' Eboué [5-0] 91' g.p. Bendtner
amarelos 38' Vermaelen, 44' Bendtner
vermelhos nada a assinalar
Jesualdo Ferreira Treinador
1 Helton GR 6
13 Fucile LD 1
14 Rolando DC 2
2 Bruno Alves DC 3
15 Álvaro Pereira LE 3
18 Nuno André Coelho MD a Int 3
3 Raul Meireles MD 3
28 Rúben Micael MO a 76' 3
12 Hulk AD 3
17 Varela AE a 76' 3
9 Falcao AV 5
33 Nuno GR
22 Miguel Lopes LD
16 Maicon DC
6 Guarín MO d 76' -
7 Belluschi MO
11 Mariano AD d 76' -
10 Rodríguez AE d Int 4
amarelos 24' Falcao, 59' Álvaro Pereira, 90' Fucile
vermelhos nada a assinalar
fonte: OJOGO, 10 de Março
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